30 de dezembro de 2006

Retrô 2006 - O estouro do funk de MC Leozinho

O convite feito a MC Leozinho (foto) para participar do especial anual de Roberto Carlos na Rede Globo não veio à toa. Por conta de seu hit Ela Só Pensa em Beijar, cantado pelo funkeiro em dueto com o Rei no programa, Leozinho foi um dos líderes das paradas de 2006. A música sobreviveu ao verão e acabou sendo um dos maiores sucessos do ano. No embalo, o artista logo lançou o CD Se Ela Dança, Eu Danço pela Universal Music. O título foi extraído do refrão da música que extrapolou o universo do funk carioca e seduziu o Brasil com levada contagiante. Volta e meia, acontece...

Retrô 2006 - Cidade Negra pegou a onda errada

Não é à toa que Toni Garrido já idealiza 0 seu primeiro disco solo para 2007. Em 2006, o Cidade Negra pegou onda muito errada. O grupo foi seduzido pela gravadora Sony BMG a surfar na praia de Armandinho, o cantor e compositor do Sul que alcançou projeção nacional com seu reggae ensolarado. Bastou ouvir O Paraíso Tem um Tempo Bom - faixa de estúdio estrategicamente escolhida para puxar o segundo projeto ao vivo do quarteto fluminense, Direto, editado em outubro em CD e em DVD com gravação de bom show feito na Fundição Progresso (RJ) - para comprovar que o Cidade Negra tentava clonar o estilo do intérprete de Desenho de Deus, um dos (poucos) grandes sucessos do ano. Foi constrangedor...

Ao misturar reggae com surf music, o Cidade Negra se afogou em praia que nunca foi a sua. Outra música feita em estúdio, O Tempo Tá Passando, de batida pop próxima do ska, sinalizou a falta de rumo de uma banda que acenara com salutar volta às raízes do reggae em seu último CD, Perto de Deus, trabalho de bom nível.

Direto foi turbinado com 10 inéditas que poderiam ter formatado álbum de estúdio se a indústria fonográfica não ansiasse por DVDs e por CDs ao vivo. Aliás, algumas novidades - como Camuflagem, flerte com a pulsação do rap - foram exclusivas do DVD. Foi o caso também de Ninguém Merece, samba hawaiano de Lulu Santos ao qual o Cidade adicionou sua batida de reggae em registro dividido com o autor, que já tinha fornecido ao grupo seu último grande hit, Sábado à Noite, rebobinado em Direto com a adesão de Lulu.

Sim, o DVD exibiu requinte na imagem. O diretor Oscar Rodrigues Alves conseguiu captar a fervura do palco e a da platéia - quando ela existiu. E a temperatura foi naturalmente bem mais quente em sucessos como À Sombra da Maldade. Só que Direto não foi um greatest hits do Cidade Negra. A acentuada irregularidade da safra de inéditas autorais registradas ao vivo - Hoje, Bamba, O Vacilão, B. Boys (investida no universo hip hop dos skatistas) e Você que Não Acredita (power balada pop) - deixou transparecer uma justa falta de confiança da gravadora no taco do quarteto. A ponto de o produtor Liminha ter metido seu dedo na composição das faixas feitas em estúdio - com exceção de Negro Rei, afro pop gravado pelo grupo especialmente para a trilha da novela Sinhá Moça.

A despeito de ofuscar os músicos da banda, a presença explosiva e carismática do vocalista Toni Garrido foi garantia de popularidade para o quarteto - ao mesmo tempo em que o afastou da ideologia roots esboçada nos dois primeiros discos. Mas o mar fonográfico não esteve para peixe e Direto ainda não obteve um satisfatório resultado comercial, deixando incerto o futuro do Cidade Negra na Sony BMG. E o mais provável é a não-renovação de contrato...

Retrô 2006 - Ro Ro acertou o passo fonográfico

Aos 56 anos, Ângela Ro Ro (foto) se reconciliou, enfim, com a indústria fonográfica em 2006. Além de ter lançado em dezembro seu primeiro DVD (Ângela Ro Ro ao Vivo, de hits), a artista apresentou safra de inéditas no CD Compasso, editado em setembro pela Indie Records, a gravadora que interrompeu o hiato fonográfico de Ro Ro. Muito justo!!!

A voz rouca de Ro Ro já desafinou muito na vida. Compasso foi sua esperança de retomar o passo de carreira que saíra dos trilhos já na metade final dos 80 por conta do temperamento autodestrutivo da compositora - atualmente em fase sadia, mais sóbria, magra e pacífica. Primeiro CD de Ro Ro em seis anos, Compasso não foi trabalho à altura dos álbuns iniciais da artista, mas apagou a má impressão deixada pelo anterior, Acertei no Milênio, de 2000.

Ro Ro apresentou 13 inéditas autorais pautadas pela diversidade rítmica. Em boa forma vocal, a cantora entoou bolero (Arranca Essa Flor!), tema de inspiração bossa-novista (Menti pra Você) e rock (Contagem Regressiva). As surpresas foram o reggae Dá Pé! e a pisada firme no terreno nordestino em Não Adianta - duas faixas que ampliaram o universo musical da autora. E o estilo saudável adotado pela artista transpareceu em boa parte das letras. Mas foi difícil reconhecer nas melodias a compositora sensível, projetada na virada dos anos 70 para os 80. Nesse sentido, a faixa-título e o acalanto Dorme, Sonha foram os únicos resquícios da inspirada fase de escândalos e músicas envolventes que evocavam em lírica melancolia tanto Janis Joplin quanto Maysa. Faltou a melodia...

Ro Ro bem que tentou se juntar a nomes de seu passado. Retomou a parceria com a poeta Ana Terra (a letrista de Amor, meu Grande Amor) na balada Paixão e assinou com Antonio Adolfo (produtor de vários de seus discos) outra balada, Chance de Amar, de ótima estirpe. A razão da irregularidade do repertório de Compasso foi a (oni)presença do tecladista Ricardo Mac Cord, autor de todos os arranjos e parceiro de Ro Ro em sete das 13 faixas. Só que é justo reconhecer que a faixa-título, composta pela dupla, já figura entre os clássicos do repertório de uma artista talentosa a quem - nessa altura da vida - só resta enfim viver bem e em paz consigo mesma.

Retrô 2006 - Negra pareceu livre apenas na TV

Liberdade foi afinal tudo o que Negra Li parece não ter tido na gravação de seu segundo disco na gravadora Universal Music, Negra Livre - na realidade, o primeiro disco solo da rapper paulista. Mas sua participação no elenco da série Antônia - em que atuou como atriz ao lado de colegas como Cindy e Leilah Moreno, que também lançaram CDs pela Universal - salvou o ano de Negra Li. Exibidos pela Rede Globo nas noites de sexta-feira, com uma expressiva audiência, os episódios do seriado de ficção projetaram a artista e apagaram a má impressão deixada pelo CD Negra Livre. Livre??!!

Li pareceu livre na TV, mas não no disco, ainda que a faixa-título, presente de Nando Reis, tenha corroborado a idéia de liberdade que permeou o repertório. Ao contrário, Li pareceu aprisionada no formato pop tão ao gosto de gravadoras multinacionais como a Universal Music. Se ela ainda impôs a presença do parceiro Helião no disco anterior (Guerreiro, Guerreira, 2004), no atual quem esteve mais ao seu lado foi o produtor Paul Ralphes, da cena pop. Estranho no ninho do rap, Ralphes se fez presente com seus beats e com a co-autoria de (boa) parte do repertório, assinado com Li.

Foi difícil identificar a liberdade que devia haver no coletivo RZO (Rapaziada Zona Oeste), o trio que projetou Li na forte cena do hip hop paulista. Negra Livre não deixou de ser disco dominado por batidas de rap, rhythm and blues e black music em geral. Só que o domínio foi invadido por estratégico dueto com Caetano Veloso (na romantizada balada Meus Telefonemas, extraída do repertório do grupo AfroReggae) e pela - não menos estratégica - escolha de Você Vai Estar na Minha para puxar o disco. Incluída na trilha da novela Pé na Jaca, a música é um improviso de Lino Crizz em cima de Eu Sei (na Mira), jóia da lavra mais pop de Marisa Monte.

"Eu não vou deixar você triste", avisou Negra em verso da festiva Chegou a Hora. Tudo bem, Li tem todo o direito de ser feliz e de exercer sua liberdade musical e estética. Mas que Negra Livre deixou a sensação de que essa liberdade foi arquitetada e vigiada pela indústria fonográfica, lá isso deixou... Daí talvez o tom até já defensivo dos versos iniciais de Ninguém Pode me Impedir, o rap que abriu o disco. Veja só: "Ninguém pode me impedir de ser / Eu sei que não é tudo que eu posso mudar / Mas eu não vou deixar / Não posso deixar de ser livre / Já não existe escravidão, não me oprime / ... / Sei que vou me lembrar quem eu sou / De onde vim, pra onde eu vou". É como se o argumento do direito à liberdade de expressão soasse como desculpa para o que se escutou a seguir...

Retrô 2006 - Caetano voltou mais jovial em 'Cê'

Caetano Veloso esquentou o mercado fonográfico em 2006 com CD que gerou devoção e repúdio na mesma proporção. Editado em setembro, com tiragem inicial de 50 mil cópias, se tornou um dos discos mais discutidos do compositor (na foto de Javier Scian com o trio que toca no álbum). Por conta dos flertes com o rock indie e das inflamadas letras de calor sexual, caiu logo nas graças do público jovem sem seduzir os fãs tradicionais do velho baiano. O fato é que, aos 64 anos, Caetano surpreendeu ao buscar juventude e modernidade. E decepcionou muito como melodista.

Houve tempo em que Caetano, um eterno visionário tropicalista, compunha grandes canções. E era sempre moderno. Mas o tempo da profícua inspiração melódica já pareceu ter passado... Em seu 40º disco, o compositor soou moderno, mas driblou a escassez de boas melodias com a estranheza sadia dos arranjos. No álbum , Caetano se valeu da inventividade instrumental - que deu ao disco aura de jovialidade - para desviar o foco da melodia das canções. O repertório foi formado por 12 inéditas de safra recente, a grande maioria aquém da grife de um compositor que, em quatro décadas de carreira fonográfica, numerosas vezes até atingiu a genialidade.

Claro que houve boas músicas em . Minhas Lágrimas, balada de tonalidade ibérica, foi a melhor delas. Ao misturar influências de Lou Reed e Peninha, Não me Arrependo - de versos confessionais dirigidos pelo compositor à ex-mulher, Paula Lavigne - se impôs pela beleza melódica e se aproximou da estrutura mais clássica da canção, tendo sido, não por acaso, escolhida para promover o CD nas rádios. Rocks também se destacou pelo tom irado dos versos.

No todo, o disco ofereceu experimentalismos executados por músicos antenados com a cena indie. Com a formação clássica do rock, o trio que tocou no CD - o guitarrista Pedro Sá (co-produtor do CD ao lado de Moreno Veloso), o baterista Marcelo Callado e o baixista Ricardo Dias Gomes - deu a Caetano base segura para os altos vôos instrumentais. Mas a qualidade irregular do repertório pesou sempre numa balança em que, do outro lado, havia a obra de Caetano nos anos 70 e 80. Em Velô, álbum de 1984, Caetano já flertava com o rock de maneira mais cínica e inspirada do que fez em em faixas como Outro (mais um recado a Paula Lavigne: "Você nem vai me conhecer / Quando eu passar por você / De cara alegre e cruel"). Da mesma forma, a incursão pelo rap - na épica O Herói, o toque sócio-político do CD - soou pálida na comparação com Haiti, a obra-prima de 1993 lançada no disco Tropicália 2.

Pautado por distorções, microfonias e (propositais) estranhezas (como Waly Salomão, tributo ao escritor morto em 2003 que se arrastou em clima psicodélico que não honra a poética afiada dos versos), foi um disco de alto teor erótico, destilado na letra do samba torto Musa Híbrida, na descrição pormenorizada da Deusa Urbana que intitula razoável balada e - sobretudo - em Homem (apologia ao macho feita sem a pretendida verve de Rita Lee) e em Porquê?, o tema de sotaque lusitano em que Caetano se limitou a repetir, em três únicos versos, termos usados pelos portugueses para designar seu orgasmo. Foi um CD indie até demais da conta...

Completaram o repertório a concretista Um Sonho - em que a boa referência foi o poeta Augusto dos Anjos - e Odeio, quase paródia do baticum eletrônico que invadiu as pistas nos últimos anos. Na teoria, pareceu ótimo. Na prática, decepcionou porque nem sempre houve inspiração melódica condizente com a vivacidade dos arranjos. Na salutar busca da modernidade, Caetano contou apenas com duas ou três grandes canções. Mas sai de 2006 com (justo) lugar de honra na discografia multifacetada do artista.

29 de dezembro de 2006

Retrô 2006 - Plebe Rude não rachou concreto

Vinte anos depois de lançar um dos discos emblemáticos do rock brasileiro dos anos 80, O Concreto Já Rachou (1986), a Plebe Rude (foto) voltou à cena fonográfica em setembro de 2006 com seu primeiro álbum de inéditas em 13 anos, R ao Contrário, encartado em edição da revista Outra Coisa. A Plebe retornou ainda rude, mas com sua formação original reduzida à metade. Permaneceram o baixista André X e o perseverante guitarrista e vocalista Philippe Seabra. Clemente (Inocentes) foi incorporado ao grupo como vocalista ao lado do baterista Txotxa (Maskavo).

R ao Contrário exalou honestidade por todos seus poros (ou sulcos, se tivesse sido editado em vinil) e foi convite à reflexão, combatendo o conformismo social nos versos de suas 12 faixas. Foi, em suma, fiel à trajetória de uma banda criada na ideologia punk. Mas - embora a pegada tenha estado firme - o que pesou negativamente na balança foi a irregularidade do repertório. Até houve petardos como a faixa-título. O rock O Que se Faz, à moda dos anos 70, também foi destaque com um impactante arranjo de gaita de foles enquanto Mil Gatos no Telhado se impôs pela batida sorrateira que encurralou o ouvinte como um felino raivoso. Mas a Plebe ficou devendo por conta de sua história (e da expectativa).

A propósito, o último CD de inéditas da Plebe, de 1993, se chamou Mais Raiva do que Medo. E R ao Contrário também destilou raiva pelo sistema e pelo estado geral das coisas. Não foi à toa que terminou com a punkíssima Voto em Branco, única música tirada do baú plebeu, tendo sido composta em 1981. Só que as músicas novas nem sempre acompanharam a virulência das letras, estas em plena forma. Houve momentos menos inspirados - Suficiente por um Dia (ou Dois) e Traçado que Parece o meu, entre outros - em que o CD soou quase arrastado, com beats desacelerados. Mas em outros, como Mero Plebeu, a Plebe continuou seca e rápida no gatilho. Moral da história: R ao Contrário, com todo seu caráter oscilante, teve admiradores fervorosos, mas não rachou concreto.

Retrô 2006 - Aguilera se agigantou no básico...

A pose da capa à maneira de Marilyn Monroe pode até ter sido jogada de marketing, só que esteve em sintonia com o primeiro álbum de Christina Aguilera em quatro anos. Foi uma das (boas) surpresas de 2006. Editado em setembro, Back to Basics - acreditem - é um discaço. Se em Stripped (2002) a artista se atolava na lama da vulgaridade, tentando em vão soar sexy como Madonna, ela ressurgiu luminosa como nunca em álbum duplo que prestou tributo às velhas escolas do soul, do blues, do r & b e até do jazz - com produção que agregou orquestra, coro e quarteto de cordas.

O disco foi duplo porque foram dois trabalhos complementares, mas ligeiramente diferentes. O CD 1 apresentou sonoridade mais contemporânea, ainda que Understand possa figurar em qualquer álbum da fase áurea de Aretha Franklin. Foi a batida do rap que permeou faixas como Back in the Day, Ain't no Other Man (o bom primeiro single) e a envolvente Slow Down Baby. Mas foi um hip hop classudo, envolto em sonoridades grandiosas que evocam os velhos tempos. E somente o gospel Makes me Wanna Pray já foi capaz de converter até os mais incrédulos detratores de Aguilera.

No disco 2, cujo repertório inclui parcerias da artista com Linda Perry, houve a volta propriamente dita e até anunciada no título Back to Basics. Se Mercy on me foi gospel de leve tom jazzístico, Hurt foi balada demolidora. Já a sussurrante Nasty Naughty Boy exalou a sensualidade que Aguilera tanto buscou em vão em CDs anteriores. Candy Man teve suingue à maneira dos anos 30 e 40. Parecia música de outra era, de algum cabaré ou salão da primeira metade do século 20. E foi justamente essa habilidade de Christina Aguilera de conjugar sonoridades e tempos distintos que a fez se agigantar no CD Back to Basics. E, por essa, ninguém esperava...

Retrô 2006 - Paula Lima acertou ao ser sincera

Foi sintomático que o terceiro disco solo de Paula Lima, lançado em setembro, tenha se chamado Sinceramente. É como se a cantora paulista - revelada no coletivo Funk Como Le Gusta em fins dos anos 90 - já avisasse sutilmente no título que, desta vez, ela não se deixou manipular pela indústria fonográfica e fez um CD com toda a sua verdade e o seu balanço. E ainda dosou os floreios vocais que às vezes empanavam o brilho de seu canto. Tudo o que não acontecera no irregular disco anterior, Paula Lima (2003), gravado pela Universal Music, que contratou a artista, tentou logo popularizar seu som (havia até versão de Moonlight Serenade no repertório) e depois a descartou. Se tinha algum balanço naquele equivocado álbum, em poucos bons momentos, faltava a verdade, a sinceridade exposta já no título do terceiro CD da ótima cantora.

Contratada pela Indie Records, Paula Lima repôs sua discografia nos trilhos com Sinceramente. A primeira faixa - Novos Alvos, um pop miscigenado e radiofônico composto por Mart'nália, Zélia Duncan e Ana Costa - até deu a impressão de (um novo) trabalho eclético. Mas, a partir da segunda, ficou claro que Paula dançou conforme a música de seu primeiro e incensado disco, É Isso Aí (2001). A tal segunda faixa, Como Diz o Ditado, era samba cheio de suingue de Edu Tedeschi, compositor projetado por Maria Rita com a inclusão de Conta Outra no controvertido disco Segundo.

O suingue é mesmo a marca de Paula, que acertou ao transitar por samba-rock, sambalanço, soul e funk. Até partido alto tradicional de Arlindo Cruz, Tirou Onda (parceria com Acyr Marques e com Maurição), ganhou molho black na voz da artista. Arlindo, aliás, foi o compositor mais presente no repertório. E suas outras duas boas composições - Já Pedi pra Você Parar e Tudo Certo ou Tudo Errado - exibiram balanço mais envenenado do que o da habitual produção autoral do bamba carioca. Ou talvez tenha sido Paula que pôs suingue e veneno em tudo o que cantou no CD. A ponto de harmonizar em sua divisão parceria de Ana Carolina com Totonho Villeroy (Eu Já Notei), neobossa de Seu Jorge (Let's Go, com Tatá Spalla), releitura da lavra de João Donato (Flor de Maracujá) e um funk ensolarado de Marcus Vinicius (Negras Perucas). Isso para não falar de Saudações, a bela inédita de Leci Brandão que fechou o disco, selando o compromisso de Paula com sua luta e verdade.

Bem azeitada, a produção de Luiz Paulo Serafim e Bruno Cardozo combinou percussão e beats eletrônicos com equilíbrio, ajudando Paula a podar os excessos de seu canto, a retomar seu caminho com sinceridade e a desfazer a impressão (ruim) do disco anterior.

Retrô 2006 - O arrasta-pé infantil de Zé Renato

Intérprete de poderosa artilharia vocal, Maria Rita saudou a arte de cantar ao regravar lindamente - e sem exibicionismos vocais - Sina de Cigarra, tema de Jackson do Pandeiro e Delmiro Ramos. A apropriada releitura de Maria Rita foi trunfo do CD Forró pra's Crianças, bem produzido por Zé Renato para o selo Biscoitinho, da gravadora Biscoito Fino. O disco, um dos melhores de 2006, foi lançado em setembro e marcou a segunda investida de Renato no universo infantil (a primeira, Samba Pras Crianças, inaugurou o selo Biscoitinho em 2003 de forma igualmente primorosa). Dez!

Boa parte da graça do disco esteve na arregimentação de um coral infantil - formado por onze alunos do Conservatório Brasileiro de Música e da Escola de Música Villa-Lobos - para interpretar cocos, xotes e baiões ao lado de astros da MPB como Chico Buarque (bem à vontade no xote Morena Bela, de Onildo de Almeida com Juarez Santiago), o próprio Zé Renato (intérprete da Cantiga do Sapo, de Jackson e Buco do Pandeiro) e Zélia Duncan, muito desenvolta ao mastigar Chiclete com Banana, o hit de Gordurinha (1922 - 1969).

A maior parte do repertório veio da obra de Jackson do Pandeiro (1919 - 1982), forte pilar da música nordestina como compositor e como cantor de suingue raro e de divisão endiabrada. De Jackson, Elba Ramalho cantou Forró em Campina, um tema nostálgico que - por conta da origem da cantora - adquiriu veracidade na voz de Elba. Dosando seus habituais malabarismos vocais, João Bosco se divertiu no Forró em Limoeiro, pérola da lavra de Edgar Ferreira (1922 - 1995). Já Alceu Valença, bem gaiato, encarnou o professor Quiabo no baião Quadro Negro, parceria de Jackson do Pandeiro e Rosil Cavalcanti (1915 - 1968). É mestre e deu uma aula de forró...

Com sua habitual verve, Eduardo Dussek atenuou a malícia erótica dos versos de Sebastiana, outro clássico de Rosil Cavalcanti, que é autor também do Coco do Norte, aqui revivido na voz arretada de Silvério Pessoa. Revelação de 2005, Roberta Sá é intérprete mais identificada com o samba, mas fez pulsar sua veia nordestina em Tum Tum Tum. A gravação de Roberta foi aberta a capella pelo coro infantil que abrilhantou o disco e que lhe deu o (necessário) caráter lúdico. Zé Renato acertou ao apresentar graciosamente o forró para as crianças. Seu arrasta-pé infantil foi danado de bom!!!

Retrô 2006 - Baltar divertiu em grande estréia

Apareceu nova, e promissora, dama na música brasileira em 2006, com um repertório que enfatiza o samba que a dama, a carioquíssima Mariana Baltar, já vinha cantando em casas do Centro do Rio de Janeiro. De seu primeiro CD, Uma Dama Também Quer se Divertir - editado em setembro com tiragem inicial de mil cópias que logo se esgotaria apenas com a venda em shows - a impressão deixada foi excelente. O disco fluiu bem e revelou cantora segura.

Baltar impressionou logo na primeira faixa com primorosa leitura de Pressentimento (1968) - a obra-prima de Elton Medeiros com Hermínio Bello de Carvalho que já andava exaurida por conta de tantas gravações burocráticas. A de Baltar foi das melhores. E o fato é que a dama mostrou suingue - exibido num raro samba de Assis Valente (Deixa Comigo, do repertório de Carmen Miranda) e na divisão manemolente de Bala com Bala (1972), petardo típico da obra de João Bosco e Aldir Blanc nos anos 70. Só que a maior surpresa foi Zumbi, tema da lavra de Jorge Ben Jor, lançado em 1974 no disco A Tábua de Esmeraldas. É difícil cantar Jorge bem, com perdão do trocadilho óbvio, mas, sem procurar imitar o inimitável suingue do artista, Baltar - com sua rara experiência de ter sido vocalista da Banda do Zé Pretinho - deu um novo fôlego a Zumbi, em prova de personalidade artística. A faixa valoriza o CD.

À vontade na divisão baiana de Ralador (Roque Ferreira e Paulo César Pinheiro), mas nem tanto no (es)forçado trio formado com Miltinho e Pedro Miranda para cantar um pot-pourri de clássicos como Obsessão e Me Deixa em Paz, Baltar se redimiu com samba inédito de Teresa Cristina (Vai com Deus, com intervenção vocal da autora) e com o tom seresteiro do choro-canção Insensatez, tributo ao autor Dino 7 Cordas, velho mestre do violão brasileiro.

O acerto se renovou quando Baltar pisou em terreno nordestino. Dona Biu foi inédito e delicioso coco de Adryana BB, compositora de Recife (PE). Já Seção 32 era bom baião de Vander Lee que soou até como novo, embora já tivesse sido gravado pelo autor e pela cantora Ana Cristina. No fim, em clima de gafieira, houve inédita de Billy Blanco (O Piston do Barriquinha, vã tentativa de reeditar o êxito de Piston de Gafieira) e Samba da Zona, tema de Joyce de cuja letra foi extraído o título do disco. Enfim, uma estréia muito promissora. Em parte por conta da produção arejada de Alfredo Galhões, autor de boa parte dos arranjos, a diversão do ouvinte com este primeiro CD de Mariana Baltar foi garantida. A dama merece escapar do circuito carioca para obter projeção nacional.

28 de dezembro de 2006

Retrô 2006 - Gavin revirou o baú da Som Livre

E colecionadores de discos tiveram em 2006 muito o que agradecer ao bom pesquisador Charles Gavin... É por causa da bela garimpagem que o titã fez no baú da gravadora Som Livre que muitos álbuns raros - então disputados a tapas em sebos - foram relançados em edições remasterizadas que preservaram as capas e os encartes originais.

A festa já começou em março com o lançamento dos 25 títulos da coleção Som Livre Masters. Voltaram ao catálogo discos como Tim Maia (o obscuro álbum feito Síndico na Som Livre em 1977 antes de aderir à disco music), Molhado de Suor (primeiro bom disco solo de Alceu Valença, de 1974), Nave Maria (Tom Zé, de 1984), Vontade de Rever Você (Marcos Valle, 1980), Rosinha de Valença (1973), Vamos pro Mundo (Novos Baianos, 1974) e a trilha original do Sítio do Picapau Amarelo (1977, capa à esquerda), entre vários títulos desconhecidos de samba-jazz. Dez!

Em outubro, a gravadora relançou mais 19 raros discos na coleção intitulada Som Livre Masters 2. Voltaram às lojas pérolas como Vivo! (Alceu Valença, 1976, capa à direita), Acabou Chorare (Novos Baianos, 1972), Marcos Valle (de 1983), Boca da Noite (Toquinho, 1974), Passaredo (Francis Hime, de 1977), Cláudia (1967), Guilherme Arantes (1976), Canção do Amor Mais Triste (Maysa, 1962), Lá Vem o Brasil Descendo a Ladeira (Moraes Moreira, 1979), Nossa Imaginação (Dom Beto, 1978), Vanguarda (Agostinho dos Santos, de 1963), Joelho de Porco (1978) e Casa das Máquinas (1974). Todos com a arte original.

Completando a festa, Gavin apresentou em dezembro 26 títulos da coleção Som Livre Masters - Trilhas, que reeditou discos com músicas de novelas e de programas exibidos pela Rede Globo nos anos 70 e 80. Um belo trabalho de garimpagem que trouxe à tona álbuns que estavam submersos no mar do tempo. Queremos mais!

Retrô 2006 - Luz interior de Gil brilhou em CD

Criada com base nos cânones tropicalistas, a obra fundamental de Gilberto Gil (foto) muitas vezes trouxe questões transcendentais embutidas em sua vivacidade rítmica. Adepto pioneiro da filosofia zen, apreendida no duro cotidiano de sua prisão e do conseqüente exílio londrino na virada dos anos 60 para os 70, Gil é compositor de freqüente ótica espiritualista. Foi este pensador mais filosófico que prevaleceu em Gil Luminoso, CD relançado em agosto pela Biscoito Fino. Gravado em 1999, para ser encartado no belo livro de arte GILuminoso - A Po.ética do Ser, de Bené Fontelles, o disco nunca havia chegado às lojas de forma avulsa. Até este ano...

Foi puro deleite ouvir a música de Gil somente com sua voz e seu violão de múltipla musicalidade. A maioria dos temas veio dos anos 70 - década em que o artista aprofundou sua experiência existencialista em discos como Refazenda (1975), do qual Gil Luminoso recuperou, não à toa, as faixas Meditação e Retiros Espirituais. Moldado para reflexão das letras, o tom interiorizado do álbum possibilitou maior valorização dos versos de Metáfora (1982), Raça Humana (1984) e Tempo Rei (1984) - três músicas gravadas originalmente em período em que o compositor testava sonoridade pop em sua discografia (com resultado bem irregular).

Para colecionadores da obra fonográfica de Gil, o álbum agrupou músicas até então meio dispersas na discografia do compositor - casos de Preciso Aprender a Só Ser (o tema que inverteu a lógica individualista do samba-canção bossa-novista Preciso Aprender a Ser Só e que tinha sido lançado em compacto de 1973), O Som da Pessoa (então inédita parceria com Bené Fontelles, de 1983), Copo Vazio (lançada por Chico Buarque em seu álbum Sinal Fechado, de 1974, e regravada por Gil no mesmo ano num disco ao vivo de moderada repercussão), O Compositor me Disse (outra música do álbum ao vivo de 1974) e Você e Você, tema de 1993, criado para Gal Costa incluir no grande álbum O Sorriso do Gato de Alice.

Ouvidas num mesmo álbum, essas reflexões espiritualistas a cerca dos mistérios da raça humana adensaram a já vasta obra de Gil. Ao procurar visão menos materialista, que transcendesse a matéria, o compositor exibiu luminosidade ímpar. E essa intensa luz interior brilhou em disco que merecia mesmo reedição avulsa para ficar mais acessível aos admiradores deste artista - de fato!! - luminoso.

Retrô 2006 - Fernanda ficou sem porto na EMI

E Fernanda Porto (foto) ficou sem... porto em 2006. No terceiro título de sua discografia, o primeiro com registro de show, a artista se distanciou cada vez mais da cena eletrônica - que projetou seu nome há alguns anos em São Paulo - e se aproximou da MPB. O problema é que a compositora pareceu perdida em algum ponto entre os dois universos - a julgar pelos CD e DVD Fernanda Porto ao Vivo, ambos editados em julho. A artista que se revelara interessante em seu primeiro CD (Fernanda Porto, 2002) e não reeditara o brilho no segundo (Giramundo, 2004) tinha batido a porta ao sair da gravadora Trama. Mas a sua estréia na EMI sinalizou que o problema de Porto não era a Trama.

Fernanda Porto ao Vivo foi o pior dos três trabalhos da artista. Para começar, as músicas inéditas eram irregulares. O destaque foi a lírica Saudade do que Não Tive. Já Seu Nome na Areia chegou a jogar a autora na vala comum do romantismo banal. Já as demais (Coco sem Água, Simples e Eu Já te Conhecia, entre outras) pouco ou nada acrescentaram ao trabalho da cantora. Das já gravadas, Pensamento 4 ainda teve o mérito de ter letra de Arnaldo Antunes e a intervenção, na regravação ao vivo, da boa guitarra de Edgard Scandurra. Daniela Mercury, a outra convidada do projeto, entrou em cena sem a habitual energia para fazer dueto com a colega em Desde que o Samba É Samba (pérola de Caetano Veloso que ainda continua imbatível na gravação do autor com Gilberto Gil) e em Tudo de Bom, música vinda do primeiro disco de Fernanda Porto.

Entre arranjos insossos e regravações oportunistas de músicas da lavra do grupo Los Hermanos (Samba a Dois e Sentimental), ficou a sensação de que a praia da artista é mesmo a eletrônica quando o DJ Zé Pedro assumiu as carrapetas, em plena cena, para remixar Corações a Mil, tema de Gil, gravado por Marina Lima. Parece que o mundo de Fernanda Porto girou para voltar para o mesmo lugar.

Retrô 2006 - Outros tons de Jobim por Fátima

Ainda que já tenha alinhavado um disco de inéditas, previsto para 2007, Fátima Guedes se destacou em 2006 com CD de intérprete. Em Outros Tons (foto), a compositora jogou luz sobre a obra obscura de Tom Jobim na fase pré-Bossa Nova e nos anos que se seguiram ao estouro de Chega de Saudade em 1958. O disco foi lançado em setembro pela Rob Digital com produção de Marcus Fernando.

Na voz macia de Fátima, ressurgiram, por exemplo, as duas raras primeiras composições gravadas de Jobim, Incerteza e Faz uma Semana, sambas-canções de 1953. A cantora tirou do baú jóias do quilate de Pensando em Você (1953), A Chuva Caiu (1956), Sonho Desfeito (1956), Luar e Batucada (1957), Pelos Caminhos da Vida (1959), Olha pro Céu (1690) e Para Não Sofrer (1962). Foi luxo só!

Afastada do mercado fonográfico desde 2001, ano em que lançou com Eduardo Gudin o CD Luzes da Mesma Luz, Fátima Guedes voltou à cena com disco que procurou evocar o clima das boates cariocas dos anos 50 - nas quais Tom Jobim deu seus primeiros passos profissionais. Mas que venha logo o seu álbum de inéditas!!

Retrô 2006 - Aragão se renovou (com inéditas)

Assim como seu samba Coisinha do Pai, usado em 1997 para acordar o robô da NASA, Jorge Aragão quase viu sua carreira ir para o espaço por conta de sucessivos e redundantes discos ao vivo. Mas sua dilapidada obra ganhou novo fôlego em 2006 com um álbum de inéditas, E Aí?, posto nas lojas em julho pela Indie Records sem a forte repercussão comercial a que o disco fazia jus.

A renovação esteve, sobretudo, no tom do disco. Havia os sambas dolentes e melancólicos que costumam predominar nos álbuns de Aragão e fazem saltar a veia poética do artista. A Vida É Rápida, Emoção Sincera (composição de Sombra) e Ninguém É Perfeito foram alguns deles. Mas E Aí? foi um CD bem mais alegre e jovial.

Sem sair de seu quintal, Aragão transitou pela diversidade rítmica do samba. Se À Sombra da Amendoeira tinha até cadência baiana próxima da chula, inaugurando a salutar parceria do compositor com os baianos Jorge Portugal e Roberto Mendes, Não É Segredo foi delicioso samba de quadra composto por Aragão com Flávio Cardoso. Já Adepto do Samba Sincopado exibiu, como o título já anunciava, melodia balançada, à moda dos sambas popularizados por Cyro Monteiro nos anos 40. O quintal deu outros bons frutos.

A maior surpresa foi a adesão de Aragão ao samba-rock. Ele tirou do baú jóia pouco lapidada do gênero - e a preciosidade vinha do repertório de Roberto e Erasmo Carlos! Sim, Mané João teve sua primeira gravação em 1972 num LP magistral do Tremendão. A leitura de Erasmo continuou imbatível, mas Aragão não derrapou no suingue do tema. A outra regravação - menos surpreendente - foi Partido Alto. O clássico de Chico Buarque, também de 1972, ressurgiu em tom suave, sem o rancor (necessário e até essencial nos anos de chumbo) do registro inaugural do autor do partido.

Aragão, aliás, soube colher frutos em árvores alheias. Retrato da Desilusão foi obra-prima da parceria bissexta de Monarco com o filho Mauro Diniz. A dor dos versos contrastou com a pulsação vibrante do samba. Malaco (Alcino Correia e Márcio Vanderlei) foi ode aos bambas do Império Serrano. Já Disciplina (Serginho Meriti e Frank Daiello) se revelou um samba de nobre estirpe. Em disco produzido com arranjos calcados em percussões e metais, sem os teclados que por vezes pausterizam o samba, Sem Dívida Nem Dúvida abriu o trabalho em clima suburbano e reafirmou a inspiração autoral de Jorge Aragão, que sempre se renova quando o deixam ir para o estúdio... Pena que E Aí? vendeu pouco. Pena!!

27 de dezembro de 2006

Retrô 2006 - O pop gracioso de Érika Machado

Com seu pop gracioso, No Cimento foi uma das boas surpresas do mercado fonográfico em 2006. Em seu segundo CD, a cantora mineira Érika Machado teve sorte de voltar à cena sob a certeira produção de John Ulhoa, um dos cérebros e mentores do Pato Fu. Perceptível nos trabalhos do grupo mineiro, o toque criativo de John valorizou o repertório autoral de Érika com uma atmosfera lúdica. Ótimas músicas como As Coisas e Secador, Maça e Lente ganharam leveza e sabor todo especial. O arranjo pirado de Tédio remeteu aos melhores momentos do Pato Fu. Érika Machado não é compositora excepcional (sua letra mais inspirada foi a de Óculos de Grau). Tampouco é cantora de chamar atenção pela voz. Mas tudo pareceu dentro da ordem na sua simpática estréia. Merecia ter obtido (boa) projeção além do circuito indie. Coisas de 2006...

Retrô 2006 - O Rio na bonita visão de Ivan Lins

Era para ser um CD duplo com parceiros nacionais e estrangeiros como Carole King, Jorge Drexler, Lucio Dalla, Jamie Cullum e até Sting. Acabou sendo um CD simples, apenas com o time brasileiro, mas nem por isso Acariocando, bonito disco lançado em junho por Ivan Lins (em foto de Leonardo Aversa), deixou de se firmar como um dos melhores álbuns de 2006. Em 13 inéditas, o artista confirmou sua contínua inspiração - já evidente em Baiana da Gema, o (belo) tributo prestado por Simone à sua obra, em 2004.

A safra autoral de 2006 foi rica e variada, sobretudo pela abertura do leque de parceiros. Ivan Lins gravou parcerias com Ivone Lara e Moska, entre outros, em disco que esteve à altura de seus álbuns dos anos 70.Tal qual a baiana, o carioca é da gema... Como o título já antecipou, Acariocando foi disco dominado por ritmos e sons do Rio. Foi cantado em tons baixos e suaves, em fina sintonia com o clima bossa-novista da face mais requintada da cidade. A velha bossa que deu o ar da graça em Passarela no Ar, parceria com o poeta Abel Silva. Do outro lado da cidade partida, há o funk, cujo universo foi evocado com sofisticação em Ela É a Própria Vida, parceria com Moska que teve como subtítulo Funk Catarina, em referência à homônima neta de Ivan. Acariocando reuniu o Rio.

Já o samba - que está em vários lados da cidade - pontuou todo o álbum, seja em forma de partido alto (Lar Doce Lar, com música e letra rara de Ivan), de samba de terreiro (Deus É Mais, a parceria inaugural com Ivone Lara) ou na cadência bem mais lenta da boa na faixa-título (samba-choro letrado por Aldir Blanc) ou ainda em Prece ao Samba, em que o bamba Nei Lopes reafirma devoção ao gênero em sagrados versos baseados na Oração de São Francisco.

Produzido por Paulinho Albuquerque, o CD extrapolou a fronteira carioca sem perda de qualidade. Lenine foi parceiro e convidado do arretado xote Se Acontecer. O violão de Guinga enobreceu a valsa Antídotos. O quarteto vocal Boca Livre encorpou a folia Lua Sagrada, grande faixa do disco. Já Paulo César Pinheiro foi letrista sempre preciso, seja nos sambas (Diana no Mar, A Gente Merece Ser Feliz) ou nas canções românticas (Por sua Causa). Um craque!

Primeira e superestimada parceria de Ivan com Chico Buarque (e única regravação do repertório), Renata Maria saiu do mar com trajes jazzísticos. Foi requinte do CD mais carioca do compositor brasileiro vivo de maior prestígio no exterior por conta de suas harmonias belas como o Rio. E Acariocando honrou a cidade...

Retrô 2006 - O bagulho muito lúcido de MV Bill

Exibido no Fantástico, programa global das noites de domingo, um contundente documentário sobre o cotidiano das crianças coaptadas pelo tráfico de drogas projetou MV Bill (foto) e preparou terreno para o lançamento em junho do terceiro disco do rapper da Cidade de Deus (RJ). Surpreendendo o ouvinte que ansiava pelo mesmo tom do filme, Bill incorporou um pouco de Zeca Pagodinho e outro tanto de Bezerra da Silva no CD intitulado Falcão - O Bagulho É Doido em clara referência ao bom documentário Falcão- Meninos do Tráfico.

A associação pareceu improvável para quem identificava em Bill o cara sempre marrento que fazia um rap duro, de batidas secas, em seus dois álbuns anteriores, Traficando Informação (1999) e Declaração de Guerra (2002). Mas o mercado esteve doido em 2006, Bill precisava vender disco e o fato é que o rapper suavizou seu discurso no terceiro trabalho. Foi difícil não associar a letra de Falso Profeta (Pára de Caô) - uma crítica aos pastores evangélicos que pregam a palavra de Deus de olho no dinheiro dos fiéis - aos versos malandros dos sambas gravados por Bezerra da Silva. Da mesma forma, Estilo Vagabundo, sobre divertida briga de casal, trouxe irreverência típica de Zeca Pagodinho. Bill soou mais leve.

Outras faces da favela começaram a aparecer no trabalho de Bill - radicado na Cidade de Deus, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. E a maior surpresa do CD foi um samba-rock!! Minha Flecha na sua Mira (Me Leva) reeditou aquela levada cristalizada na virada dos anos 60 para os 70. Houve, ainda, a base de tom bossa-novista de 9 da Manhã, o tema que encerrou o disco. Mas, verdade seja dita, todas as nuances e variações rítmicas suavizaram a música de Bill sem descaracterizá-la. Falcão - O Bagulho É Doido não foi um disco conceitual sobre o envolvimento de menores com o tráfico de drogas - como o documentário e o livro que o antecederam - mas não fugiu do assunto. Todas as conexões morro-asfalto que sustentam o tráfico foram expostas com clareza por Bill na faixa-título. Coube ao ouvinte decidir se queria o discurso contundente sobre drogas ou a leve crônica de costumes da favela. Ou ainda ignorar MV Bill e o problema social que violenta o Rio de Janeiro.

Retrô 2006 - Iggor Cavalera deixou o Sepultura

Depois de (muitos) boatos e de várias pistas, o baterista Iggor Cavalera (foto) anunciou em 12 de junho - em nota oficial - a sua saída do grupo mineiro Sepultura, dez anos depois de seu irmão, Max, abandonar a banda brasileira de heavy metal de maior projeção fora do Brasil. O baterista - que, desde o ano passado, já vinha sendo substituído nos shows pelo músico Roy Mayorga - alegou incompatibilidade com os colegas de grupo (a saber: o guitarrista Andreas Kisser, o vocalista Derrick Green e o baixista Paulo Jr.). Dias depois, Iggor participou da gravação do Acústico MTV de Lenine. E o certo é que o futuro do Sepultura permanece incerto...

Retrô 2006 - O tijolo menor da obra de Chico

Foram oito (!!) anos de espera por um disco de inéditas de Chico Buarque. A expectativa - naturalmente grande - não foi satisfeita em maio com o lançamento de Carioca, o primeiro de repertório novo do compositor desde As Cidades, CD de 1998. Com tiragem inicial de 151 mil cópias, o álbum marcou a estréia de Chico (em foto de Bruno Veiga para o encarte) na gravadora Biscoito Fino, que fabricou Carioca no formato simples e em edição dupla que reuniu CD e o DVD Desconstrução, com longo chato making of da gravação. Mas, se o disco decepcionou, o mito continuou intacto - como provaram acirradas disputas pela compra de ingressos para o show da turnê que estreou em agosto, em São Paulo, e chega ao Rio em 4 de janeiro, para temporada de seis semanas no Canecão.

A rigor, quase todas as 12 músicas apresentadas nos 36 minutos e 51 segundos do CD Carioca se revelaram tijolos menores da obra grandiosa construída por Chico há 40 anos. Houve raro requinte nos arranjos e nas harmonias, mas a impecável produção apenas disfarçou a triste ausência de músicas à altura de um compositor habitualmente magistral. Não saiu do disco um novo clássico do cancioneiro de Chico. E os elogios derramados de parte da crítica foram feitos mais pela reverência ao mestre do que pela genuína admiração das músicas. Como aliás já vem acontecendo há tempo.

Os arranjos do fiel violonista Luiz Cláudio Ramos embalaram com sofisticação exemplar repertório irregular que tangenciou o atual Rio de Janeiro de forma mais ou menos explícita. O choro-canção Subúrbio já abriu o CD mapeando sem romantismo sons, costumes e mazelas dos bairros da periferia da cidade. E as intervenções da flauta de Marcelo Bernardes e do clarinete de Paulo Sérgio Santos pontuaram música que chamou mais atenção pela letra engenhosa do que pela melodia. A propósito, em Carioca, o Chico letrista superou - e muito - o melodista já menos inspirado. Quem te viu...

"Fala a língua do rap", propôs Chico em verso de Subúrbio. Atento aos novos sons da cidade, o compositor inseriu até rap (intitulado Embolada) e programações eletrônicas no baião Ode aos Ratos - extraído da trilha do musical Cambaio, composta em 2001 em parceria com Edu Lobo (o baião já tinha sido gravado por Chico em 2001 no CD que registrou a trilha sonora do musical). A levada nordestina ficou bem menos evidente no quase fox Outros Sonhos, apesar da adição do acordeom de Dominguinhos. "De noite raiava o sol / Que todo mundo aplaudia / Maconha só se comprava na tabacaria", delirou o compositor na letra, reproduzida em jornais.

Sintomaticamente, as melhores músicas foram as mais antigas. O único samba do disco, Dura na Queda, foi composto para a peça Crioula, que contou a vida de Elza Soares. Na versão do autor, o bom samba ganhou sopros e clima de gafieira. Já a valsa Imagina, criada por Tom Jobim em 1947 e letrada por Chico em 1983, se impôs naturalmente, adornada pela voz segura de Mônica Salmaso e pelo piano de Daniel Jobim, neto do maestro soberano de Chico. Ainda que Imagina já tenha merecido registros mais inspirados…

As canções também não estiveram entre as mais arrebatadoras de Chico. A mais bonita - Por que Era Ela, Por que Era Eu, o tema do filme A Máquina - já tinha sido lançada na compilação Chico no Cinema, editada no fim de 2005. Também envolvente, As Atrizes combinou cordas e lirismo em tributo às divas do cinema francês que apareciam nuas na tela do cinema e da mente do compositor. Ela Faz Cinema - destaque da safra irregular - evocou clima bossa-novista enquanto Sempre - criada para um filme de Cacá Diegues, O Maior Amor do Mundo – exibiu tom camerístico. Já Renata Maria (primeira música de Chico com Ivan Lins) foi banhada pela atmosfera onírica que inexistiu na (mediana) gravação original de Leila Pinheiro. Leve, samba-canção levemente abolerado, deveria ter permanecido nos discos de Dora Vergueiro e de Carol Saboya.

Foi tudo harmônico e refinado (a exemplo do choro Bolero Blues, a primeira parceria de Chico com seu baixista Jorge Helder), mas quase nenhuma música nova conquistou para valer no (bom) CD, aquém da genialidade ímpar de Chico Buarque. O abismo entre a produção antiga e a atual do compositor carioca ficou mais nítido com a reedição dos três primeiros discos do artista, gravados na extinta RGE - entre 1966 e 1968 - e embalados em digipack pela Som Livre na caixa Os Primeiros Anos. E principalmente com a chegada às lojas, em dezembro, da bela coleção Chico Buarque Essencial, que repôs em catálogo, em edições avulsas, 17 discos do período 1970 - 1986. Mas o mito continuou intacto. Carioca à parte, Chico Buarque ainda é e sempre será unanimidade nacional.

26 de dezembro de 2006

Retrô 2006 - Mombojó nada mostrou de novo...

Cultuado em 2004 como a grande novidade da cena nacional, por conta de seu primeiro CD Nada de Novo, o grupo pernambucano Mombojó (foto) apresentou em 2006 o segundo disco. Homem-Espuma foi lançado em maio pela Trama com aura de salvador da pátria pop. O que se ouviu foi mosaico de referências que não caracterizaram som exatamente inovador. Homem-Espuma absorveu influências do Mangue Beat ao pop rock britânico indie.

Paralelamente, ainda foi impossível dissociar totalmente a banda do universo sonoro do grupo Los Hermanos. Seja pela melancolia que pontuou parte do álbum. Seja pelo instrumental refinado que conjugou vibrafones e minimoogs. Mas a voz de Felipe S. esteve mais para Fred 04 - do Mundo Livre S/A - do que para Marcelo Camelo ou Rodrigo Amarante. A produção do CD foi assinada por Daniel Ganjaman, do coletivo Instituto, com boas intervenções do guitarrista da Nação Zumbi, Lúcio Maia, em Desencanto, na faixa-título e em Tempo de Carne e Osso, tema cool que agregou a voz de Céu, outro nome incensado em demasia. Realismo Convincente mostrou peso e a voz de Tom Zé, que recitou versos de seu samba . Swinga trouxe a guitarra inconfundível de Fernando Catatau. Enfim, um bom disco que confirmou o talento do Mombojó, que, afinal, não tem culpa do exagerado culto em torno de sua música.

Retrô 2006 - Voz de Castilho floresceu em CD

Coube a Biscoito Fino lançar - em maio - Amendoeira, o segundo álbum de Bebeto Castilho como cantor, gravado sob a produção antenada de Kassin e de Marcelo Camelo, sobrinho do artista (foto). Baixista, flautista e eventual solista vocal do Tamba Trio, Castilho é um cantor que descende da linhagem nobre de João Gilberto. Seu canto sutil - longe de impressionar pela potência ou pela beleza da voz... - atua como refinado elemento harmônico no conjunto do arranjo.

Foi com esse espírito bossa-novista que Castilho se apresentou como cantor em seu segundo disco solo (o primeiro, lançado em 1976, permanece inédito em CD no mercado nacional). Sua voz floresceu macia em Amendoeira. Além de produzir o álbum, Camelo deu ao tio o samba que batiza Amendoeira e cantou Porta de Cinema, tema de autoria de Luiz Souza, que vem a ser seu tio-avô, irmão de Bebeto. Fora da seara familiar, o músico do Tamba Trio destilou seu canto íntimo em bons sambas de Ataulfo Alves (Infidelidade, uma parceria com Américo Seixas), Dorival Caymmi (A Vizinha do Lado), J. Cascata (Minha Palhoça) e Benedito Lacerda (Sabiá de Mangueira, com Erastótenes Frazão).

Em sintonia com a delicadeza do canto de Castilho, os convidados impediram o CD de soar monocórdio a despeito de todo seu raro requinte. Nina Becker (cantora da Orquestra Imperial) deu o ar da graça em Beijo Distraído, de Durval Ferreira e Regina Werneck. Filha do pianista Laércio de Freitas, Thalma de Freitas interpretou Pode Ser?, o samba sincopado de Geraldo Pereira e Marino Pinto.

Amendoeira não foi um disco de bossa nova. Esteve mais para o samba-jazz. Mas teve bossa e seduziu quem acredita que uma voz miúda e até opaca também pode ser posta a serviço da harmonia. A repercussão comercial foi modesta, mas o álbum teve seu êxito artístico reconhecido em dezembro na 5º edição do Prêmio Rival BR de Música Independente. Marcelo Camelo e Kassin levaram o troféu de Produção do Ano por Amendoeira, um CD histórico e sagrado - como sentenciou Caetano Veloso (em texto do encarte).

Retrô 2006 - Estréia recordista de Corinne Rae

Grupo Arctic Monkeys à parte, a cantora Corinne Bailey Rae foi a maior sensação exportada pela indústria fonográfica do Reino Unido durante 2006. Houve até quem definisse a artista de 26 anos - cujo álbum de estréia saiu em maio no mercado brasileiro após bater recordes de vendas na Inglaterra - como "a resposta britânica a Norah Jones". Bem, a rigor, houve pouco de Norah no álbum Corinne Bailey Rae. O único paralelo foi a atmosfera relaxante que remeteu ao primeiro disco de Norah, Come Away with me. Só que Corinne esteve mais para o soul de Joss Stone em faixas como Put your Records on (grande sucesso no Brasil por conta de sua inclusão na trilha internacional da novela Páginas da Vida) e Enchantment. Um soul mais zen, menos enérgico. Com algo de blues e um clima de jazz. Aliás, a voz de Corinne, próxima de um miado, lembrou Billie Holiday em temas como Like a Star, seu primeiro sucesso, editado em EP em 2005 na Inglaterra. Referências e comparações à parte, Corinne impressionou pela elegância em sua estréia. Não inovou e nem foi a oitava maravilha do mundo da música, mas desceu bem.

Retrô 2006 - Universal tirou Leonardo da Sony

Depois de perder Chico Buarque para a Biscoito Fino em 2005, a Sony BMG ficou sem outro artista importante - em termos comerciais - do elenco da antiga BMG. Sua maior concorrente, a forte Universal Music, surpreendeu o mercado fonográfico já em março ao anunciar a ida de Leonardo (foto) para a companhia. Foi uma surpresa porque o cantor tinha sido o maior vendedor de discos da BMG há dois anos, em 2004, por conta da popularidade do álbum Leonardo Canta Grandes Sucessos. Ainda que o segundo volume do CD (editado em 2005 já pela Sony BMG) não tenha bisado o êxito do primeiro, Leonardo continuava entre os grandes vendedores da gravadora dirigida por Alexandre Schiavo. Ele tinha lá seu peso...

Com a contratação de Leonardo, a Universal fortaleceu o seu cast sertanejo, enfraquecido nos últimos anos com a queda nas vendas dos CDs de Chitãozinho & Xororó. Já a Sony BMG permaneceu com Zezé Di Camargo & Luciano e com Bruno & Marrone - duas duplas que garantem lucro no gênero. Mas o fato é que o primeiro disco de Leonardo na Universal - De Corpo e Alma, lançado em junho - não obteve o sucesso esperado, apesar de um providencial dueto com Zeca Pagodinho na faixa De Latinha na Mão e de Sinhá Moça ter tocado diariamente na abertura da novela homônima exibida pela Rede Globo às 18h. O repertório enfileirou baladas xaroposas.

Retrô 2006 - Gabriel com projeto e sem Sony...

2006 não começou nada bem para Gabriel o Pensador (foto). Como os últimos bons discos do rapper carioca vinham vendendo muito abaixo do esperado pela Sony BMG, a gravadora não renovou o contrato do artista. A notícia vazou logo em janeiro. Sem gravadora, o cantor pretende abrir selo para viabilizar a gravação e edição de seu primeiro CD na área infantil. Tal projeto foi idealizado pelo Pensador em 2005.

25 de dezembro de 2006

Retrô 2006 - Sandy & Junior sem identidade...

Ainda não foi em 2006 que Sandy & Junior (foto) conseguiram ultrapassar a barreira infanto-juvenil e encontrar sua identidade musical. O 15º disco da dupla, Sandy & Junior, foi lançado em abril com muita pompa e pouca repercussão fora do (já reduzido) circuito de fãs que idolatram os carismáticos irmãos. A Universal Music divulgou que o CD vendeu 125 mil cópias, somadas a edição simples e a dupla que trazia DVD com os bastidores da dispendiosa gravação. Mas nem este razoável número espantou a sensação de que a dupla fracassou. Novamente. Tanto que Sandy terminou o ano anunciando turnê solo de jazz (!) para 2007, mas ressaltando que continuará com Junior. Aliás, a dupla deverá lançar DVD e CD ao vivo, no próximo ano, com a gravação de seu atual espetáculo.

Houve duas formas de avaliar Sandy & Junior. Se o parâmetro foi a qualidade da produção, o CD até se impôs como o melhor da discografia da dupla. O argentino Sebastian Krys - secundado por Otávio de Moraes e pelo próprio Junior - inseriu os dois irmãos no universo do pop rock internacional com produção grandiosa e uns arranjos azeitados. Os instrumentos foram bem tocados e as vozes foram harmonizadas com muito requinte, sobretudo em Você Não Banca o meu Sim. Em suma, as faixas exibiram um instrumental à altura dos melhores trabalhos do gênero. A embalagem foi legal...

Se o parâmetro, contudo, foi a qualidade das composições, o disco até pôde ser encarado como o pior da dupla. Afinal, a ambição foi grande e a intenção foi tirar os irmãos do universo infanto-juvenil a que eles ainda parecem confinados mesmo depois de adultos. E o CD Sandy & Junior não cumpriu esse objetivo - como o anterior Identidade (editado em 2003 e já recebido com certa frieza pelo público) também não cumprira. Faltou bom repertório para tal. Em bom português: a produção foi rica, mas a música era pobre...

Sandy & Junior não são compositores inspirados. Um dos erros foi o expressivo número de músicas assinadas pela dupla, sozinha ou em parceria. Teria sido mais salutar experimentar outros autores, outras levadas. E de nada adiantou Sandy ensaiar em Discutível Perfeição uma revolta contra sua imagem de princesa certinha. Até sua letra-desabafo pareceu concebida em sala de marketing. E de nada adiantou gravar um razoável rock de Frejat e Mauro Santa Cecília (O Preço). E de nada adiantou juntar Milton Nascimento e Black Eyed Peas em Nas Mãos da Sorte, um samba-rap de sotaque gringo em que Milton chegou a constranger ao dizer um punhado de versos-clichês de Gabriel O Pensador sobre a injustiça social. Alguma coisa continuou soando fora da ordem.. E pior: soou falso.

"Me olho no espelho e já nem sei mais quem sou", admitiu Sandy em Estranho Jeito de Amar, a balada que abriu o CD. Sim, houve baladas (Nós Dois no Abismo, Ida nem Volta), houve as versões (Replay, a primeira música de trabalho) e houve faixas de batida mais pop (Tudo pra Você). Foram 12 músicas em 42 minutos. E ficou difícil apontar uma melodia realmente bonita, uma letra que fugisse dos lugares-comuns, enfim, algo que parecesse realmente verdadeiro. Sandy cantou bem. Junior não fez feio como baterista no meio de músicos mais tarimbados. Mas pairou no ar a sensação de que tudo foi em vão... impressão confirmada ao longo de 2006.

Retrô 2006 - O romance popular de Nando Reis

Nando Reis popularizou sua obra em 2006 com Sim e Não, CD editado em abril em que o cantor tangenciou o universo amoroso de Roberto Carlos. O ex-titã, que vinha de bem-sucedido projeto da série MTV ao Vivo, buscou ampliar ainda mais seu público, mas o fato é que parte dos fãs conquistados com álbuns como A Letra A se distanciou de sua música. Pena, já que o disco é ótimo.

O romantismo popular brotou no sexto disco solo de Nando Reis (na foto acima, com os músicos da banda Os Infernais) sem que o cantor tenha caído no pantanoso terreno brega como sinalizara ao iniciar, orgulhoso, parceria com Wando em 2005. Em Sim e Não, o artista se debateu entre a firme pegada roqueira de sua banda Os Infernais - que assinou o disco juntamente com Nando - e a opção por um repertório mais acessível para manter o público angariado com precoce MTV ao Vivo que lhe deu, enfim, a popularidade buscada em vão com discos mais refinados como o tal A Letra A.

Intérprete bem deficiente que vinha melhorando a cada trabalho, Nando Reis conseguiu a manutenção de seu padrão estético. Sim - a melodiosa canção que abriu o disco - e N foram belos temas que atingiram o equilíbrio delicado entre a sofisticação de trabalhos anteriores e o romantismo popular, semeado em letras diretas que exaltavam a mulher amada. O corinho de Sou Dela, música mais dançante que roçou o pop perfeito, foi elemento referencial do cancioneiro cafona que Nando rodeou, mas não abraçou (de fato).

Sim e Não alterna rocks moderadamente pesados (Santa Maria, Monóico - em que o artista propôs inversão de papéis sexuais que o distanciou do amor conservador explicitado nas canções mais sentimentais - e o estradeiro Caneco 70) com músicas melodiosas que destilaram o tal romantismo que norteou o CD até sua última faixa oficial, a valsinha Ti Amo (havia uma faixa escondida ao fim).

Houve, sim, músicas menores. Pra Ela Voltar rebobinou - sem a mesma inspiração - a declaração de amor feita em Sim. A letra de Para Luzir o Dia pareceu feita na cola de Diariamente (a música de Nando gravada por Marisa Monte no álbum Mais, em 1991), ainda que sua melodia envolvente seguisse a receita palatável do disco. Foi faixa de cordas que flertou com o som progressivo. Em clima mais cool, Nando floresceu e declarou amor à filha em Espatódea.

Não, Nando Reis não ficou brega. Deixou brotar o Roberto Carlos (dos anos 70) que existia nele sem aderir à banalidade da canção popularesca. Sim, seu sexto solo ofereceu munição certeira para ampliar seu público. Pena que isso parece não ter acontecido na medida da inspiração do repertório... Sim, o azar foi do público...

Retrô 2006 - Os belos gêmeos de Marisa Monte

Há quem finja ignorar ou detestar Marisa Monte (foto), muito por conta do marketing às vezes excessivo que cerca a artista, só que 2006 foi o ano da maturidade da cantora e compositora. Quatro anos depois do fenômeno do projeto Tribalistas, dividido com Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown, Marisa reapareceu com dois discos simultâneos, Infinito Particular e Universo ao meu Redor, que chegaram às lojas em 10 de março, com expressivas tiragens iniciais de 300 mil cópias, cada um. Se o primeiro foi um refinado songbook de canções de aura eventualmente mais pop, o segundo se moveu majestosamente ao redor do nobre universo do samba. Na seqüência, a artista estreou em 27 de abril, em Curitiba (PR), a turnê Universo Particular. O show, de caráter íntimo e estética inovadora, ainda está na estrada e confirmou o momento especial de Marisa Monte, que pariu discos gêmeos de repertório inteiramente inédito e sofisticação ímpar. Foi o destaque de 2006.

O CD de sambas já nasceu clássico. Universo ao meu Redor, o belo samba que abriu e deu título ao disco, poderia ser creditado a um bamba da velha guarda pela nobreza da melodia, o lirismo da letra ("Quantas lágrimas de orvalho na roseira / Todo mundo tem um canto de tristeza") e o violão e o cavaquinho personalíssimos de Paulinho da Viola. Da mesma forma que a faixa que o seguiu, O Bonde do Dom, também carregou a maestria e a beleza do samba mais tradicional. A novidade foi que ambos eram assinados por Marisa com os seus parceiros Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown.

A intimidade do trio tribalista com o samba impôs Universo ao meu Redor - o disco - como uma das obras-primas não somente do gênero, mas de todo o universo da música brasileira. O bonde de Marisa Monte soube desviar da rota purista que normalmente confina o samba a um trilho excessivamente nacionalista. Tratado com respeito, mas sem (excessiva) reverência, o samba cantado pela artista foi embalado com sutis sons contemporâneos - como os malabarismos bucais de Fernandinho Beat Box, convidado de faixas como Meu Canário (1950), de autoria do já obscuro Jayme Silva, compositor celebrizado por O Pato na voz de João Gilberto.

Cantando cada vez melhor, em tons suaves, Marisa combinou no repertório sambas novos e antigos, todos escorados em produção requintada feita pela cantora com Mario Caldato Jr. - nome ainda normalmente associado ao universo do hip hop. Houve toda uma atmosfera de delicadeza na percussão e nos arranjos. Atmosfera que adquiriu tom lúdico em Três Letrinhas (1969), surpreendente inédita da fase inicial do grupo Novos Baianos - sobra à altura dos grandes momentos da obra dos autores Moraes Moreira e Galvão.

No bonde da modernidade, Marisa e sua turma trafegaram por um repertório uniforme que nunca saiu dos trilhos. Entre uma pérola de 1980 de Argemiro Patrocínio (Lágrimas e Tormento, lustrada pelo piano contemporâneo de Daniel Jobim), temas igualmente nobres da lavra do time tribalista (Quatro Paredes, Satisfeito, A Alma e a Matéria, Cantinho Escondido) e inédita de Paulinho da Viola (Para Mais Ninguém, urdida com a elegante grife melódica e poética do autor), o disco transitou em linha suave, interrompida somente por Statue of Liberty, colaboração de David Byrne nos vocais e na co-autoria. O baticum miscigenado estava em sintonia com a tropicalista explosão de cores da linda capa ilustrada com colagem da artista plástica Beatriz Milhazes. Simples e sofisticada.

Com sofisticação e universalidade, Marisa Monte irmanou tanto insuspeita valsa de Dona Ivone Lara (Pétalas Esquecidas, 1945) quanto insuspeito samba de Adriana Calcanhotto (Vai Saber?, de 2005). Ou ainda uma pérola esquecida como Perdoa, meu Amor (1944), música de Casemiro Vieira, o Casemiro da Cuíca, o mais antigo integrante da atual formação da Velha Guarda da Portela. No resumo da ópera, Universo ao meu Redor foi disco de fato antológico que cresceu a cada audição e confirmou Marisa Monte como a artista mais importante e mais inteligente de sua geração.

Bem mais difícil foi identificar de imediato o requinte que norteou Infinito Particular. Mais do que um disco pop, rótulo tão vago quanto genérico, Infinito Particular foi um álbum de canções autorais. Detalhe: foi o primeiro CD de Marisa Monte em que todas as músicas - 13 inéditas - foram assinadas pela artista. Produzido por Alê Siqueira com a própria cantora, o repertório foi envolvido pela mesma atmosfera de delicadeza que permeou Universo ao meu Redor. Contudo, perdeu na inevitável comparação por seu repertório não ter resultado tão uniforme, mesmo com instantes geniais como a faixa-título e Vilarejo, que por si só já valeu o CD, pela melodia irresistível e pela letra que transmite paz ao retratar o tal vilarejo, idealizado microcosmo de um mundo perfeito. Dez!

De pop, a rigor, houve Pra Ser Sincero, parceria de Marisa Monte com Carlinhos Brown que tinha a pegada do último disco solo da artista, Memórias, Crônicas e Declarações de Amor (2000) e, não por acaso, foi hit na trilha da novela Cobras e Lagartos. Até Parece também já nasceu radiofônica. Com ou sem jeito de hit, o repertório foi muito valorizado por arranjos estupendos dos maestros Eumir Deodato, Philip Glass (mestre do minimalismo) e João Donato. Esse trio lançou mão de inusitado arsenal de cordas, metais e percussão para embalar temas como Levante (original música da lavra de Seu Jorge com o trio tribalista, pontuada pelo trompete de Jesse Sadoc), A Primeira Pedra (de atmosfera etérea) e a melodiosa O Rio, acalanto em que Marisa transmitia ao filho, Mano Wladimir, lindo recado de fé no poder regenerador da vida.

O clima cool de Infinito Particular exibiu rara sofisticação. A primeira metade do CD até reeditou a perfeição que englobava Universo ao meu Redor. A queda na qualidade do repertório aconteceu a partir da oitava faixa. Gerânio, parceria de Nando Reis com Marisa, mais pareceu sobra do disco Mais (de 2001). A levemente abolerada Quem Foi, segunda colaboração de Marcelo Yuka com a cantora, também jamais se impôs entre canções mais bonitas. Em contrapartida, houve Pernambucobucolismo (com o arranjo urdido com percussão e baixo tocado pela própria Marisa) e a primeira parceria da gaúcha Adriana Calcanhotto com a colega carioca, Pelo Tempo que Durar, de atmosfera quase glacial. Linda!

No geral, tanto Infinito Particular como Universo ao meu Redor mostraram que, com maior ou menor perfeição no vasto repertório, Marisa Monte passou 2006 longe da banalidade que impera na música pop mundial. Ela ainda é a referência no Brasil...

Criação de James Brown transcende o criador

Um dia depois da morte de Braguinha, James Brown (foto) sai de cena. Aos 73 anos, o pai do funk morreu na manhã desta segunda-feira de Natal, 25 de dezembro de 2006, num hospital de Atlanta (EUA). Nascido em 3 de maio de 1933, Brown teve importância fundamental na música norte-americana. Ele começou a carreira em 1953 ao se juntar ao quarteto Gospel Starlighters. Transitou pelo rhythm and blues, mas entrou para a história em 1965, ano em que sua gravação de Papa's Got a Brand New Bag começou a remodelar a música negra americana, em especial o velho e bom soul, desaguando no som que seria rotulado de funk nos anos 70.

James Brown viveu seu auge artístico na virada dos anos 60 para os 70. (Get Up I Feel Like Being a) Sex Machine, petardo lançado em junho de 1970, foi um dos grandes sucessos do cantor com a batida que ele formatou e que iria influenciar o resto do mundo, inclusive e até o Brasil, onde o movimento Black Rio começou a ganhar cara e força em meados da década de 70. A despeito de toda sua genialidade, o astro teve uma carreira tão atribulada quanto sua vida. Desde cedo, Brown enfrentou problemas com a lei, tendo sido preso algumas vezes. Mas James Brown - assim como Tim Maia, sua mais perfeita tradução nacional, inclusive pelo temperamento explosivo - é do tipo de artista cuja criação transcende a existência do criador. Em bom português, a música de James Brown - que reverbera em discos de nomes como Justin Timberlake e Prince - já é imortal. Breve é a vida, longa é a Arte...

Rice roça em '9' a genialidade de álbum anterior

Resenha de CD
Título:
9
Artista:
Damien Rice
Gravadora:
Warner Music
Cotação:
* * * * 1/2

Compositor de The Blower's Daughter, a belíssima canção popularizada no filme Closer que alcançou um polêmico sucesso no Brasil por conta de simultâneas versões assinadas por Ana Carolina e Zélia Duncan, Damien Rice tinha o cruel desafio de bisar o tom sublime de seu primeiro disco - O, gravado em 2002 e editado no ano seguinte nos Estados Unidos - em seu esperado segundo álbum, 9, lançado esta semana no Brasil. Mas o fato é que o trovador irlandês brilha novamente, com coesa safra de inéditas canções autorais em CD produzido e mixado pelo próprio Rice. Em bom português, 9 é ótimo disco que roça a genialidade de O sem reeditar a perfeição de seu antecessor. Mas chega bem perto!!

Para quem espera ouvir uma nova The Blower's Daughter, a dica é ir direto nas faixas 9 Crimes, Elephant, Accidental Babies (balada solada ao piano) e Sleep Don't Weep. A primeira, em especial, tem clima similar ao do hit. Particularmente linda, Elephant começa cool e minimalista, quase a capella, para ir crescendo, ganhando peso e envolvendo o ouvinte. O mesmo acontece com a bela The Animals Were Gone, encorpada com cordas e coro na parte final.

E por falar em peso, a polifônica Me, my Yoke + i conjuga vocais em falsetes com sonoridade meio hard, típica de grupos de rock pesado. Ficou quase experimental. Rice alterna ambiências em 9 sem dispersar a (intensa) atmosfera emocional das canções. Se Coconut Skins exibe violões em primeiro plano, Rootless Tree flerta com o instrumental do pop rock - e esse flerte é a principal novidade de 9 em relação a O. Ainda que sem impactar, o álbum sedimenta a (forte) identidade autoral de Damien Rice. É isso aí!...

24 de dezembro de 2006

Lionel Richie celebra Natal em EP de oito faixas

Três meses depois de evocar a batida do rhythm and blues de seu começo de carreira no CD Coming Home, editado em setembro, Lionel Richie dá sua versão para alguns clássicos natalinos em um EP, Sounds of the Season - lançado no Brasil pela Universal Music às vésperas do Natal. No disco, produzido por Chuckii Booker, Richie canta temas tradicionais como Silent Night, The First Noel e Joy to the World. Por ser EP, o disco reúne apenas oito músicas.

Braguinha deixa legado histórico para a música

Nascido em 29 de março de 1907, aliás uma Sexta-feira da Paixão, Carlos Alberto Ferreira Braga - o Braguinha ou ainda o João de Barro, o nome artístico que adotou como compositor - saiu de cena aos 99 anos na manhã triste deste domingo, 24 de dezembro de 2006, véspera de Natal. Carioca, Braguinha estreou como compositor e cantor em 1929. Formava o Bando de Tangarás ao lado de bambas como Noel Rosa (1910 - 1937). Em 1936, fez a célebre letra de Carinhoso a partir da melodia composta em 1917 por Pixinguinha (1897 - 1973). Mas foi ao conhecer aquele que se tornaria o seu principal parceiro, Alberto Ribeiro (1902 – 1971), que Braguinha iniciaria um dos mais vastos e ricos cancioneiros carnavalescos do Brasil, com obra que, no gênero, pode somente ser equiparada a de Lamartine Babo (1904 - 1963). Duvida? Saiba que são da lavra de Braguinha sucessos cantados ainda hoje pelos foliões como As Pastorinhas (parceria com Noel Rosa, lançada em 1935 com o título de Linda Morena), Touradas em Madrid (1937), Yes, Nós Temos Bananas… (1937) e Chiquita Bacana (1949). Dez!

Versátil, João de Barro soube extrapolar o universo carnavalesco, colecionando também sucessos na área do samba-canção - casos de Copacabana (1946) e Laura (1957). Com sua abrangente área de atuação, o compositor colaborou ainda com o cinema musical brasileiro dos anos 30, ajudou a fundar pioneiras sociedades que defenderiam os direitos dos compositores (entre elas, a UBC) e, ao ser nomeado diretor artístico da já extinta gravadora Continental, ampliou o mercado de música infantil com os famosos disquinhos, que foram a trilha sonora das crianças nascidas a partir da década de 50. A importância de Braguinha para a música brasileira é tão grande e histórica que fica até difícil dimensionar sua produção como compositor e artista múltiplo. Certo é que sua música vai permanecer na memória popular por muitos e muitos carnavais...